A Ronda Nocturna
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A ronda nocturna (De Nachtwacht) |
Rembrandt, 1642 |
Óleo sobre tela |
359 × 438 cm |
Rijksmuseum (Amsterdam) |
A ronda noturna (em neerlandês: De Nachtwacht) é o nome pelo qual se conhece comumente a uma das mais famosas obras mestras do pintor holandês Rembrandt, pintada entre 1640 e 1642. Esta é uma das jóias da exposição permanente do Rijksmuseum de Amsterdam, pinacoteca especializada na Pintura neerlandesa.
Índice |
[editar] Título
Embora A ronda nocturna esteja consolidado como título da tela, seu nome original foi provavelmente A companhia militar do capitão Frans Banning Cocq e o tenente Willem van Ruytenburg, segundo a inscrição que foi encontrada num esboço preparatório:
Esboço da pintura na qual o novo Heer van Purmerlandt (Banning Cocq), como capitão, ordena ao seu tenente Heer van Vlaerderdingen (Willem van Ruytenburch), que ponha em marcha a companhia cívica.[1] |
O quadro foi chamado no século XIX Patrouille de Nuit[2] pela crítica francesa, e Night Watch[3] por Joshua Reynolds; daí o nome pelo qual se conhece popularmente. A origem deste título surge de uma equivocação de interpretação, devida a que, nessa época, o quadro estava tão deteriorado e obscurecido pela oxidação do verniz e a sujeira acumulada, que suas figuras eram quase indistinguíveis, e parecia uma cena noturna. Depois do seu restauro em 1947, onde se eliminou este verniz obscurecido, descobriu-se que o título não se ajustava à realidade, já que a ação não se desenvolve de noite senão de dia, no interior de um portaló em penumbra ao que chega um potente raio de luz que ilumina intensamente às personagens que intervêm na composição.
[editar] Representação
A obra foi um encargo da Corporação de Arcabuzeiros de Amsterdam para decorar a Kloveniersdoelen, sede da milícia. Devido a isto, Rembrandt usou monumentais dimensões para a tela.
Nela aparece a milícia do capitão Frans Banning Cocq no momento no qual este dá a ordem de marchar ao alferes Willem van Ruytenburch. Detrás de eles aparecem os 18 integrantes da Companhia, que pagaram uma média de cem florins ao pintor por aparecer no quadro, uma soma mais que considerável para a época. Os dois oficiais provavelmente pagaram mais, pelo lugar privilegiado que ocupam no quadro. Ao todo, Rembrandt cobrou 1600 florins por este quadro.[4] Ao ser a companhia de arcabuzeiros uma instituição municipal, A ronda nocturna segue sendo propriedade do município de Amsterdam, o qual a cede ao Rijksmuseum em empréstimo de uso sem contraprestação econômica.
Os personagens aparecem captados pelo pintor holandês tal qual os pôde contemplar em numerosas ocasiões no momento em que a diário a companhia se preparava para formar e sair a seguir ordenadamente para percorrer a cidade na sua missão de vigilantes da ordem. Além disso, no quadro aparecem três crianças correndo e um cão que animam a cena.
O encargo, que devia ser concluído para o banquete de inauguração da sede da companhia, foi, junto a outros retratos corporativos, parte da comemoração da chegada em 1638 a Amsterdam da rainha mãe Maria de Médicis, viúva de Henrique IV da França, exilada por ordem do seu filho Luís XIII e do intrigante cardeal Richelieu. Esta visita régia à capital holandesa foi celebrada pelas suas autoridades com grande pompa e boato.[5]
O pagamento do trabalho atrasou-se devido a que não cobriu as expectativa dos membros da milícia, por não estar perfeitamente definida a presença da maioria de eles. Apesar da sua qualidade, também passou despercebida para a crítica no seu dia.
A cena da companhia forma parte fundamental da tradição holandesa de retratos coletivos que surgeu na chamada "Idade de Ouro da arte holandesa". Autores contemporâneos como Frans Hals dedicaram-se quase em exclusiva a este tipo de retratos de encomenda.
[editar] Personagens principais
- Capitão Frans Banning Cocq (1605 – 1655?): capitão da companhia e figura central que articula os eixos do quadro. Com a mão indica a ordem ao seu tenente e a afasta o espectador, incluindo-o na cena. Em que pese a evitar uma ordem hierárquica na distribuição dos membros da milícia, Rembrandt outorga-lhe a posição predominante do seu cargo.
- Tenente Willem van Ruytenburch: tenente da companhia, é o que recebe a ordem de preparar a companhia para a formação. Ruytenburch era de baixa estatura, e, para que não ficara muito diminuído junto ao gigantesco capitão Cocq, Rembrandt realça-o empregando no seu uniforme um tom amarelo ao que faz vibrar iluminado por um raio de sol.
- A menina: é uma personagem chave no quadro, por ser a única feminina e servir de foco de luz. A menina não se encontra em penumbra e as sombras não a tocam. Parece um espetro que pouco tenha que ver com o restante de personagens. Por esta infreqüente qualidade, muitos críticos vêm na menina um retrato de Saskia van Uylenburgh (1612 - 1642), primeira esposa do pintor, que faleceu prematuramente o ano em que foi pintada a tela, possivelmente de tuberculose. Saskia era habitual modelo de muitos dos retratos do autor. Veste um traje amarelo limão e na cintura porta um galo branco com pinceladas azuis. Este era o emblema da companhia, que Rembrandt representou desta singular maneira, em substituição do habitual brasão deste tipo de retratos coletivos.
[editar] Estrutura
Rembrandt afastou-se do convencional, evitando uma cena estática e formal, e gerando, por outro lado, uma de ação, mais do gosto do Barroco imperante.
Amostra os soldados apurados para se embarcar numa missão (que tipo de missão, ou se se tratava de uma patrulha ordinária é ainda motivo de discussão). Este ordenamento é completamente original e constitui um novo jeito de conceber o retrato coletivo. Seu estilo causou a contrariedade de alguns membros da milícia, que pela sua situação no fundo da cena são dificilmente distinguíveis. A diferença de quadros da mesma temática, em que a disposição das figuras segue uma ordem hierárquica precisa, o pintor baseou a colocação das personagens unicamente em razões plásticas. Os rígidos cânones dos retratos corporativos somente exprimiam rotina e convencionalismo, impossibilitando a expressão pessoal e dramática.
Contudo, a composição aparentemente desordenada está na realidade construída de um jeito racional segundo os dois eixos meios do retângulo que forma a tela:
- Eixo horizontal: Determina o telão de personagens que serve de apóio às duas figuras principais, em primeiro plano. Os quatros personagens com trajes de colorido característico dominam o grupo central, dirigindo a olhada do espectador para eles mesmos.
- Eixo vertical: Determina a posição do capitão com a sua traje preto, que se vê apoiado pela figura anexa do tenente, L85este de amarelo claro. Esta duas figuras fazem que a cena quede centrada, girando ao seu ao redor o restante de componentes.
- As diagonais que formam a longa lança e o pau da bandeira cruzam-se no centro luminoso da cena, enquadrando os três grupos de pessoas com uma linha imaginária, ficando os dois comandos da companhia na posição preponderante da cena.
A sensação de espaço em diferentes níveis: o da penumbra do portaló, o da rua radiante de sol e o do observador, assemelha outros jogos compositivos tipicamente barrocos como se podem encontrar n´As Meninas de Velázquez ou n´O jardim do amor de Rubens.
[editar] Cor e luz
O debuxo, apenas esboçado, fica diminuído pela importância da cor e a luz, sendo pouco nítidos os contornos das figuras.
Influenciado por Caravaggio, Rembrandt usa o chiaroscuro, criando fortes contrastes entre a penumbra e a luz. A luz provém da esquerda, segundo a direção das sombras projetadas. Esta luz, apesar da sua concepção realista, não age uniformemente, senão que ilumina e destaca-se a certos personagens, enquanto relega a outros à sombra. Em ocasiões parece que nasce do interior das figuras, como no caso da menina que corre. A iluminação é a grande protagonista deste quadro, porque recreia uma atmosfera mágica de penumbras douradas, sombras envolventes e luzes cegantes.
A cor é aplicada com pinceladas espontâneas. O cromatismo da tela desenvolve-se em tons cálidos das terras e os ocres, com as exceções do vermelho da echarpe de capitão e do soldado do longo arcabuz à sua direita e do branco ocre da moça, detrás, e do uniforme do tenente. Usa tonalidades opostas para contrastar como o uniforme claro e obscuro das duas figuras centrais, o preto rigoroso do capitão ressaltando o alvo do seu togado ou mesmo o tom dourado da penumbra em contraste com os rostos iluminados.
[editar] situação
O local original para o que foi pensada a tela foi o Groote Zaal, Grande Salão, do Kloveniersdoelen, sede municipal da Companhia de Arcabuzeiros da capital holandesa. Este edifício foi destruído e substituído a metade do século XIX pelo atual hotel Doelen. Em 1715, A ronda nocturna transladou-se à sede do município de Amsterdam na Praça Dam. As suas grandes dimensões fizeram que fosse mutilado nesta época quando lhe foi cortada uma faixa no lateral esquerdo e superior, eliminando a três das personagens da cena. Conhecemos seu aspeto originário devido a diferentes cópias anteriores a 1715, entre as que se destaca uma cópia, obra de Gerrit Lundens e conservada na National Gallery de Londres.
Quando as tropas napoleônicas ocuparam os Países Baixos e Napoleão entronizou ao seu irmão Luis como rei de Holanda em 1806, a sede do Município converteu-se em Palácio Real (que ainda mantém esta função real) e os magistrados municipais transladaram o quadro à Trippenhuis, é dizer, a casa da família Trip. Imediatamente, Napoleão ordenou sua volta a palácio e manteve-se ali até a queda do Império Napoleônico. Após isto, A ronda nocturna voltou à Trippenhuis já tornada no Rijksmuseum, como Galeria Nacional de Arte dos Países Baixos. Em 1885, finalizaram as obras do atual edifício do Rijksmuseum e o quadro foi transladado à sua situação atual.
Durante a II Guerra Mundial, para salvar o patrimônio artístico durante o conflito, os fundos mais importantes do Rijksmuseum foram depositados em diferentes búnkers denominados Refugios Nacionales construídos nas dunas de Heemskerk e Zandvoort. Em 1942, os quadros voltaram-se a transladar a refúgios em Steenwijk e Maastricht.
A ronda nocturna esteve oculta durante cinco anos sendo seu último local um bunker no subsolo da capital do Limburgo . Foi separada do seu quadro e enrolada num cilindro. A 25 de Junho de 1945, A ronda nocturna voltou a Amsterdam, sendo restaurado na oficina do Rijksmuseum.[6]
[editar] Vandalismo
À parte da mutilação do século XVIII, A ronda nocturna foi objeto de alguns ataques vandálicos. A 13 de Fevereiro de 1975, um desequilibrado mental atacou a obra com uma faca fazendo-lhe numerosos cortes em ziguezague. A tela foi restaurada com sucesso, embora ainda possa apreçar-se o rastro deste atentado. Em 1985, um visitante do museu aspergiu a pintura com um aerossol de ácido que levava oculto. A rápida intervenção dos guardas de segurança e a água que lhe foi pulverizada neutralizaram o ácido que afortunadamente não chegou a tocar a tela e somente danou o verniz. De novo, a obra foi restaurada por completo.
[editar] A ronda nocturna no Barroco
A ronda nocturna é uma dos quadros mais representativos da obra pictórica de Rembrandt, pelas novidades compositivas e técnicas que achega. É a contribuição do gênio holandês à pintura barroca. Não é o único retrato coletivo que realiza Rembrandt e, embora relevantes, o autor preferiu os retratos unipessoais e de pequenas dimensões (entre eles os seus auto-retratos).
Retratos coletivos de Rembrandt
O século XVII foi uma época de grandes quadros compostos por numerosos personagens seguindo a tipologia do Barroco. Próximos a Rembrandt, trabalham outros grandes gênios da pintura como Peter Paul Rubens ou Frans Hals, que realizaram grandes telas com retratos coletivos. Rubens preferiu o tema mitológico ou religioso em comprimidas cenas com múltiplos elementos. Hals, pela sua parte, dedicou-se aos tradicionais retratos corporativos na cidade de Haarlem, dotando-os de grande riqueza psicológica na sua execução. Por outro lado, desde uma óptica diferente, Diego Velázquez compõe também telas monumentais com técnica similares às de Rembrandt, embora a temática é complementar. Velázquez realiza cenas históricas ao serviço da corte espanhola, sem dúvida uma empresa maior que um quadro por encomenda de uma companhia militar e pagado a quotas. Mas o uso da disposição aparentemente descuidada e a distribuição de elementos para centrar a atenção ao centro da tela é comum entre ambos os pintores.
Obra de Frans Hals, Diego de Velázquez e Peter Paul Rubens
Retratos coletivos no Barroco
[editar] Curiosidades
A ronda nocturna inspirou a numerosas obras posteriores. Já na sua época foi tremendamente popular e realizaram-se algumas cópias, graças às quais conhecemos seu aspeto originário despues de todas suas alterações.
A comissão de IV centenário do nascimento de Rembrandt expôs na Praça Rembrandt de Amsterdam junto ao busto do pintor, as réplicas das personagens do quadro, esculpidas por Alexander Taratynov e Mikhail Dronov. Ao finalizar esta comemoração as estátuas serão transladadas para permanecer nos jardins do castelo de St. Gerlach, perto de Maastricht.
Também em homenagem, o ano desta comemoração, o diretor de cinema britânico Peter Greenaway rodou um filme dedicado ao quadro intitulada Nightwatching,[7] protagonizada por Martin Freeman no papel de Rembrandt e Emily Holmes como sua segunda esposa, Hendrickje. Apresentou-se no Festival Internacional de Cinema de Veneza a 6 de Setembro de 2007 e espera seu estréio comercial nos Países Baixos em Janeiro de 2008.[8]
A música também olhou para a tela em busca de inspiração como o segundo movimento da Sinfonia N.º 7 de Gustav Mahler ou a ópera De Nachtwacht composta pelo músico neerlandês Henk Badings de 1942, sem deixar de mencionar as canções Night Watch de King Crimson ou The Shooting Company of Captain Frans B. Cocq do grupo Ayreon.
Referências
- ↑ Do original em neerlandês: De jonge heer van Purmerland als Capitein geeft last aan zijnen Lietenant de heer van Vlaerdingen om sijn compaignie Burgers te doen marcheren.
- ↑ Em português: Patrulha de noite.
- ↑ Em português: Ronda noturna.
- ↑ O Rijksmuseum explica o valor incalculável de A ronda nocturna a partir do seu preço original.
- ↑ A crítica majoritária considera que provavelmente a cena de A ronda nocturna represente a saída da companhia para cobrir a visita real de Maria de Médicis, devido aos uniformes de gala dos seus integrantes. Este acontecimento foi chave na Amsterdam de meados do século XVII.
- ↑ J. Baruch e L. van der Horst; Het Rijksmuseum in oorlogstijd (O Rijksmuseum na época de guerra), Rijksmuseum Amsterdam 1985.
- ↑ Ainda em fase de pós-produção e sem estrear comercialmente.
- ↑ Imagens de Nightwatching de Peter Greenaway
[editar] Bibliografia
- ARPINO, Giovanni e LECALDANO, Paolo; La obra pictórica completa de Rembrandt, Barcelona: Noguer, 1971.
- ROSENBERG, Jacob; Rembrandt. Vida y obra, Madrid: Alianza Editorial, 1987.
- SCHWARTZ, Gary; La ronda de noche, Amsterdam: Rijksmuseum Dossiers, 2002.
- VALDIVIESO, Enrique; Pintura barroca: Rembrandt, Madrid: Sedmay, 1979.
- V.V.A.A.; Entender el arte: Rembrandt, Barcelona: Edic. Orbis-Fabris, 1989.
- ZUFFI, Stefano; El retrato: obras maestras entre la historia y la eternidad, Barcelona: Random House Mondadori, 2005.
[editar] Ligações externas
- A ronda nocturna no Rijksmuseum, Amsterdam
- A ronda nocturna em Artehistoria
- A ronda nocturna em 3D
- A ronda nocturna no 400 aniversário de Rembrandt
- Anúncio do 400 aniversário de Rembrandt onde as personagens de A ronda nocturna cantam o "feliz aniversário" ao autor
- Detalhe do pico do casco dourado