Paradoxo da omnipotência
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O Paradoxo da omnipotência é uma família de paradoxos relacionados, que discutem sobre o que um ser omnipotente pode ou não fazer. O cerne deste paradoxo é a aptidão do ser omnipotente para realizar uma acção que limite a sua capacidade de realizar acções. O argumento refere que se um ser pode praticar qualquer acção, então pode limitar a sua aptidão para agir, o que o impede de poder realizar qualquer acção, em alternativa, se não consegue limitar as suas acções, então não pode pode praticar qualquer acção.[2]
Este paradoxo é frequentemente formulado tendo como sujeito o Deus das religiões abraâmicas, embora seja suficiente fazer referência a um ser omnipotente. Um enunciado bastante conhecido deste paradoxo é o denominado paradoxo da pedra: "Pode um ser omnipotente criar uma pedra que não consiga erguer?" Se não consegue erguer a pedra não é omnipotente; se não consegue criar tal pedra não era omnipotente desde o início.[3]
O paradoxo pode também ser visto num contexto não-teológico, por exemplo, com o poder legislativo ou parlamentar, em que o órgão de poder deve ser omnipotente e também ter a capacidade de se regular a si mesmo. [2]
Alguns filósofos, como J. L Cowan, vêem neste paradoxo razão suficiente para rejeitar a possibilidade da existência de uma entidade omnipotente[4]. Outros, como Tomás de Aquino, defendem que o paradoxo se forma a partir de um mau entendimento do conceito de omnipotência[5]. O paradoxo pode ser visto como uma barreira capital à formação do conceito de omnipotência, uma vez que a inaptidão (“não consegue levantar”) é um atributo que deveria constar da capacidade total (“omnipotência”), sem requerer argumentos para negar a existência de omnipotência.
Outros filósofos, como René Descartes, afirmam que Deus é absolutamente omnipotente, apesar do problema levantado. [6] Além disso, alguns filósofos consideram que a classificação de um ser como omnipotente ou não-omnipotente é um falso dilema, uma vez que negligencia a possibilidade de existirem diversos graus de omnipotência[7]. Algumas abordagens modernas ao problema envolvem debates semânticos onde se questiona se a língua, e consequentemente a filosofia, conseguem relatar fielmente o conceito de omnipotência em si. [8] Há ainda quem argumente que a omnipotência permite contornar a lógica, tornando o paradoxo inútil.
Para analisar o paradoxo rigorosamente, é necessária uma definição precisa de omnipotência. A definição comum, “todo poderoso”, não é suficientemente específica nos assuntos levantados pelo paradoxo. Outras variações do paradoxo têm sido avançadas para além da “variante da pedra”, que é problemática quando da análise sob a óptica da física moderna.
[editar] Análise geral
Pode um ser omnipotente criar uma pedra tão pesada que nem ele a consiga erguer? | ||
Qualquer versão do paradoxo da omnipotência gera um dilema, seja aplicado à elevação de uma pedra, seja transformando o enunciado para o de um outro paradoxo clássico, o paradoxo da força irresistível, que pergunta: “O que acontece quando uma força irresistível encontra um objecto inamovível?”, uma resposta é que, sendo a força irresistível então o objecto não é verdadeiramente inamovível; de forma inversa, se o objecto fosse inamovível, então a força não seria verdadeiramente irresistível. O que é um novo dilema, já que a omnipotência de um ser torna a omnipotência do outro impossível,
J.L. Cowan no seu livro "The Paradox of Omnipotence Revisited" faz a seguinte avaliação:
- Ou Deus consegue ou não consegue criar a pedra que não é possível erguer.
- Se Deus consegue criar a pedra, não é omnipotente (já que não a consegue erguer).
- Se Deus não consegue criar a pedra não é omnipotente (pois não a consegue criar).
- Logo Deus não é omnipotente.
Desta forma negando a omnipotência.
Mas, contrariando esta tese, C.S. Lewis no seu livro "The Problem of Pain" (p. 18) sustenta que a natureza do paradoxo é inerente à sua construção, uma vez que “Não é limitativo do Seu poder. Se dissermos que Deus pode dar livre arbítrio a uma criatura, ao mesmo tempo que lho nega, não se conseguiu dizer nada acerca de Deus: um conjunto de palavras sem significado não passa a adquiri-lo apenas porque se juntou como prefixo «Deus consegue»” (em tradução livre de: "This is no limit to His power. If you choose to say God can give a creature free will and at the same time withhold free will from it, you have not succeeded in saying anything about God: meaningless combination of words do not suddenly acquire meaning simply because we prefix to them to other words «God can»"). Ou seja, “não porque o Seu poder encontre um obstáculo, mas porque um disparate mantém-se um disparate mesmo que seja referido invocando o nome de Deus” ("not because His power meets an obstacle, but because nonsense remains nonsense even when we talk it about God". (p.18)[9]
Para se analisar o paradoxo de forma rigorosa, uma das diversas definições de omnipotência deve ser empregada. Por exemplo, Peter Geach descreve quatro tipos de omnipotência e distingue-os a todos da noção de “todo poderoso”.[10]
[editar] Referências
- ↑ Averróis, Tahafut al-Tahafut (The Incoherence of the Incoherence) (A Incoerência da Incoerência) tradução para o inglês por Simon Van Der Bergh, Luzac & Company 1969, pp. 529–536
- ↑ 2,0 2,1 Suber, P. (1990) The Paradox of Self-Amendment: A Study of Law, Logic, Omnipotence, and Change. Publicação Peter Lang.
- ↑ Savage, C. Wade. "The Paradox of the Stone" Philosophical Review, Vol. 76, No. 1 (Jan., 1967), pp. 74–79 doi:10.2307/2182966
- ↑ Cowan, J. L. "The Paradox of Omnipotence" primeira edição de 1962, em The Power of God: readings on Omnipotence and Evil. Linwood Urban e Douglass Walton eds. Oxford University Press 1978 pp. 144–52
- ↑ Tomás de Aquino Summa Theologica Livro 1 Questão 25
- ↑ Descartes, René, 1641. Meditations on First Philosophy (Princípios de Filosofia) Cottingham, J., trans., 1996. Cambridge University Press. Inclui seis Objecções e Réplicas, uma segunda edição publicada no ano seguinte inclui uma Objecção e Réplica adicional e uma Carta a Dinet
- ↑ Haeckel, Ernst. The Riddle of the Universe. Harper and Brothers, 1900.
- ↑ Wittgenstein, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus (6.41 e seguintes)
- ↑ The Problem of Pain, Clive Staples Lewis, 1944 MacMillan
- ↑ Geach, P. T. "Omnipotence" 1973 em Philosophy of Religion: Selected Readings, Oxford University Press, 1998, pp. 63–75