Historia Naturalis Brasiliae
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Historia Naturalis Brasiliae, escrito originalmente em latim, é o primeiro livro médico que trata do Brasil, publicado em 1648, de autoria do holandês Guilherme Piso em que este se utiliza, ainda, de observações feitas pelos alemães Georg Markgraf e H. Gralitzio e ainda de João de Laet, dedicado ao Conde Maurício de Nassau.
Embora trate a todo momento do Brasil, os autores em verdade referem-se à faixa litorânea do Nordeste, ocupada pela Companhia das Índias Ocidentais.
Foi editado, como consta de seu frontispício, em: Lugdun.[1] Batavorum : Apud Franciscum Hackium ; et Amstelodami [2]: Apud Lud. Elzevirium - possivelmente os editores nessas localidades.
A obra consta de volume único, medindo no original 40 centímetros de altura[3] e seu título completo, com subtítulo, é: "Historia naturalis Brasiliae ... : in qua non tantum plantae et animalia, sed et indigenarum morbi, ingenia et mores describuntur et iconibus supra quingentas illustrantur".
Índice |
[editar] Conteúdo
A obra é dividida em duas partes. A primeira, de nome De Medicina Brasiliensi, foi da autoria de Guilherme Piso. A subdivisão, em quatro livros, foca os seguintes temas[4]:
- Do ar, das águas e dos lugares.
- Das doenças endêmicas.
- Dos venenos e seus antítodos.
- Das propriedades dos símplices.
A segunda parte, de nome História rerum naturalium Brasiliae, é composta por oito livros, de autoria de Georg Markgraf. Os livros abordam os seguintes temas[4]:
- 1º, 2º e 3º - botânica
- 4º - peixes
- 5º - pássaros
- 6º - quadrúpedes e serpentes
- 7º - insectos
- 8º - região do Nordeste brasileiro e suas gentes
O último livro da obra teve autoria de Joannes de Laet, que aborda aspectos etnográficos e linguísticos. O vocabulário tupi que havia sido composto por José de Anchieta, ajudou na composição deste último livro[4].
[editar] Dedicatória
Embora oferecido a Nassau, é ao príncipe Guilherme de Orange, que autorizou a publicação, a quem se dedica a obra. A ele Piso dirige-se:
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- Vós sois as nossas delícias; guiados pelos vossos maiores, constituímos aquela Província, para onde o ter navegado já foi grande feito; e aqueles mares, que só eram ameaças de ferro e morte, assim os navegaremos, para que não somente nos ela enriqueça com talentos de ouro e precisíssimas mercadorias, mas ainda forneça uma sólida subsistência à vida dos nossos corpos.
Nos prolegômenos dirigidos ao leitor Piso remonta aos trabalhos de seu colega Markgraf, informando que este colaborara extensamente na observação, nas horas livres, da natureza; Já Gralitzio, matemático, realizara as observações geográficas, astronômicas e de História Natural - tendo ambos já falecido à época da publicação. A História Natural, ou Ciências Naturais, que era como então se chamavam aquelas que têm por objetivo o estudo da natureza em torno do homem, sendo este incluído apenas na condição de animal natural (englobando-se aí a física, a química, a astronomia, a geologia e a biologia) também contou com a colaboração de João de Laet, também falecido.
Piso ressalta:
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- E para que se consagrassem às cinzas do defunto os prémios devidos, quis que a sua obra póstuma não se misturasse, mas se acrescentasse aos meus tratados.
[editar] Livro I - Trata dos ares, das águas e dos lugares do Brasil
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- O Brasil, por certo a prestantíssima parte de toda a América, considerado de perto, excele principalmente pelo seu agradável e saudável temperamento, a ponto de contender, em justa competição, com a Europa e a Ásia, na clemência dos ares e das águas.
Os elogios à saúde da terra atingem por vezes o imaginário europeu de um ideal que, de outra forma, não justificaria a conquista daquele território e todos os gastos então empreendidos para sua manutenção - fazendo clara alusão a propriedades revigorantes e rejuvenescedoras:
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- ...os habitantes atingem cedo a puberdade e envelhecem tarde; por isso ultrapassam os cem anos, gozando de verde e longeva velhice, não só os brasis como também os próprios europeus...
Noticia a ausência do outono e do primavera, a ausência de terremotos. Registra a tentativa frustrada da escravização do elemento indígena, e alguns dos seus hábitos - totalmente estranhos e diferentes dos demais povos:
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- São mui dados à dança e à bebida e ignoram tempos determinados para comer (...)
O canibalismo é tido como prática corriqueira, e a morte proporcionada aos doentes foi assim registrada, quando falhas todas as mezinhas:
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- (...)por consenso unânime, como lhe desesperando da saúde, matam-no ferozmente com clavas de madeira, congratulando-se todos com ele e ele consigo mesmo, por lhe ter sido dado morrer virilmente, subtraindo-se assim a todos os sofrimentos. E disto se jactam contentes, mesmo no momento da morte. Com aplauso não menor, que contra o cadáver de um parente, assanham-se contra o do inimigo vencido (...)
Dentre recomendações apropriadas ao clima, como evitar dormir sem antes forrar o estômago, e a ingestão de frutas cítricas, abundantes na terra, fez passar "o provérbio: não entra o médico nas casas em cujo vestíbulo se vêem de manhã numerosas cascas de laranjas.".
Fala dos alimentos, do clima, das águas, peixes e outros alimentos, e de como proceder para manter a saúde na sua ingestão, nesta região ainda desconhecida para a maioria dos europeus.
[editar] Livro II - Que trata das moléstias endêmicas e comuns no Brasil
Principia rendendo-se às artes medicinais dos nativos: "pois, como o devemos confessar, os rudimentos de muitas artes redundaram para nós dos próprios brutos (aos quais a natureza, bondosa mãe, não quis privar sobretudo da arte natural de curar doenças)".
Possui 22 capítulos, que são:
- Das febres;
- Das doenças dos olhos;
- Do espasmo;
- Do estupor;
- Dos catarros;
- Do prolapso da cartilagem mucronada;
- Das obstruções das vísceras naturais;
- Da opilação do fígado e do baço;
- Da hidropisia;
- Das lombrigas;
- Dos fluxos do ventre;
- Do tenesmo;
- Da cólera;
- Da disenteria;
- Do fluxo hepático dos intestinos;
- Da úlcera e da inflamação do ânus;
- Das doenças comuns às mulheres e às crianças;
- Das doenças contagiosas;
- Do mal venéreo;
- Das feridas e das úlceras;
- Das pápulas e da impetigo;
- Dos males externos.
Cada um desses males são apreciados em sua evolução, reações orgânicas, tratamentos e efeitos. Cumpre observar que o último dos capítulos trata precipuamente de um mal até então exclusivamente brasileiro, o bicho-do-pé (Tunga penetrans), espécie de pulga que ataca "sobretudo e de preferência os que andam descalços e perambulam por lugares arenosos". Fala, ainda, dos marimbondos e dos moscites, espécie de mosquitos que o autor registra ter sido tal feita atacado que "as nossas faces incharam e se encheram de bexigas e rubor, que não pudemos ser reconhecidos dos amigos".
[editar] Livro III - Trata dos venenos e seus antídotos
Principia a parte ilustrada da obra, com nove figuras. Falando dos venenos, Piso registra seu uso como meio de eliminar desafetos - algo que ilustra, curiosamente, como uma das armas com as quais combatia o escravo ao cativeiro, pelo autocídio:
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- Os escravos, trazidos da África para aqui, quando não conseguiram cumprir o horrível voto de pôr termo à vida dos senhores, não podendo mais padecer o jugo duríssimo da escravidão, da fome e de outros sofrimentos, recorrem a esta única via para a liberdade, a ninguém vedada. Com o veneno que se encontra em toda parte, lançam mãos atrozes contra si próprios, contentes de renunciarem à vida e retribuírem a vindita a senhores severos mais que de justiça.
Analisa a toxicidade da mandioca e outras plantas, e propõe para que a cada substância venenosa corresponda um antídoto ou contra-veneno. Registra ainda que alguns animais são no Brasil tidos por venenosos, ao passo em que não o eram noutras, como por exemplo os sapos e rãs.
Relaciona diversas espécies de serpentes, de cada uma registrando a nomenclatura pela qual eram conhecidas entre os portugueses e os indígenas, preferindo estas àquelas. É assim, por exemplo, que registra, sobre a jararaca:
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- Curta, esta serpente raro excede o comprimento de meio côvado (...) Suas picadas venenosas não apresentam menores sintomas que as das demais serpentes, exceptos os de consumirem a vida lenta e sorrateiramente. A própria serpe, depois que infligiu a ferida, extirpando-se-lhe a pele, a cauda, a cabeça e as entranhas, e cozida em água de de raiz de Iurupeba, com sal, óleo, alho-porro, endro e temperos semelhantes, é comida pelos que picou, e lhes costuma ser de grande ajuda. Mas convém mais que tudo o Caatia, chamada com razão Erva das cobras; ministrada externa e internamente, facilmente cura das mordidas desta e de outras serpentes(...).
Curiosa descrição faz da água-viva ou caravela, que chama pelo nome indígena Moucicu, de cujas queimaduras registra ter sido vitimado, curando-a com estrato da castanha de caju.
Dos animais mais venenosos que registra está o do sapo-cururu (imagem), consignando a crença comum de que o mesmo tem órgãos excretores de veneno:
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- Entre os venenos dotados de máxima virtude deletéria está o sapo Cururu, monstruoso e intumescido (...) e que inficiona de qualquer modo: ou externamente, pela urina ou pela saliva, o que é muito pior, ingerindo-se-lhe o sangue e sobretudo o fel.
Segundo ele, deste sapo é extraído poderoso veneno ministrado às ocultas pelos "perversíssimos bárbaros".
Trata, enfim, de plantas, peixes e insetos venenosos, bem como de seus possíveis antítodos e tratamentos.
[editar] Livro IV - Que trata das faculdades dos símplices
Também ricamente ilustrada, esta seção da obra é dedicada às culturas propícias às terras brasileiras e, maior riqueza de então, grande destaque dá ao açúcar.
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- Hoje aqui se vêem muitos engenhos deste gênero, tanto de portugueses quanto de holandeses. Nem há outros produtos desta terra que redundem mais lucros e ganhos para os traficantes. Pois outrora o açúcar de todo o Brasil atingia a um milhão de arrobas, cada ano levado para a Europa e vendido com certíssimo proveito.
Descreve largamente o cultivo e preparo do açúcar, a partir do caldo da cana.
Esta a parte mais ampla do livro, contendo ao todo 104 capítulos e 110 figuras. Aprecia todas as principais plantas de uso interessante, algumas com nomenclatura científica da época ou terminologia em língua indígena (algumas consignadas de modo errôneo ou com erros tipográficos): mandioca, mel silvestre (sic), copaíba, cabureíba, acajá, icicariba, ietaíba, palmeiras, aroeira, urucu, umbu, murici, ananás, etc., estão dentre as espécies apreciadas.
Sobre o manacá, por exemplo, registrou que suas raízes têm uso medicinal, embora restrito a pessoas bastante robustas, por seu efeito violento. Mas aprecia sua função ornamental:
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- Deita flores pequenas, das quais umas ostentam um lustroso azulado, e outras, níveo (o que é tanto mais belo quanto mais raro). Vê-se belamente florida e mui viçosa no mês de janeiro, e, êmula do narciso, rescende toda a floresta com a sua fragrância.
[editar] Importância
A obra foi a primeira que descreveu tanto fauna como flora brasileiras, sendo referenciada e tendo influenciado trabalhos científicos posteriores, como Karl von Lineu, em seu Systema Naturae[5].
[editar] Traduções
A obra foi traduzida para português, pelo monsenhor José Procópio de Magalhães, no ano de 1942. Levou título de História Natural do Brasil.
Referências
- ↑ "Lugdun." é abreviação para Lugdunum - nome latino da cidade francesa de Lião
- ↑ "Amstelodami" é o nome em latim para Amsterdão
- ↑ Vide Ligações externas
- ↑ 4,0 4,1 4,2 Leonardo Dantas Silva, João Maurício de Nassau e os Livros
- ↑ Obras raras da Biblioteca do Instituto Manguinhos, BORTOLETTO, Maria Élide. Casa de Oswaldo Cruz, 2007, pesquisado em 15 de setembro de 2007, 16:12
- História Natural do Brasil Ilustrada, PISO, Guilherme (trad. Prof. Alexandre Correia, seg. do texto original, da biografia do autor e de comentários), edição comemorativa do primeiro cinqüentenário do Museu Paulista, Companhia Editora Nacional, 1948.
[editar] Ligações externas
- (en) Download da obra - imagens escaneadas do original