Polissemia
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Polissemia - multiplicidade de sentidos de uma palavra ou locução. Fonte: HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
POLISSEMIA Polissemia, em geral, é definida como a propriedade que uma palavra possui de apresentar diferentes sentidos sem que os mesmos sejam (2) Coloque-se na posição correta para a foto. (3) Gostou da posição dos móveis? (4) Na posição em que estamos será difícil reverter a opinião do povo. (5) Felipe atingiu uma boa posição na empresa. (6) Esta é a minha posição. Percebe-se que os sentidos de (1-6) são diferentes; referindo-se o primeiro a postura física, o segundo a local, o terceiro a disposição, o quarto a situação ou circunstância, o quinto a situação econômica e por fim a opinião. Entretanto, ainda que seja necessário que se selecione um dos sentidos, percebe-se que há alguma relação entre os sentidos. Mesmo dentro da subcategoria da polissemia, observamos que as palavras apresentam diferentes tipos de variação semântica. Observe as seguintes frases: (7) A firma do meu pai construiu esta escola. (8) A escola de Daniel venceu o campeonato de futebol no ano passado.
Analisando as frases acima, percebe-se que em (7) o sentido evocado é o de uma estrutura física. Pelo contrário, em (8) o sentido é o de um grupo de pessoas participantes da escola. Os sentidos nestes casos não são nem excludentes, nem antagônicos. Ao contrário dos exemplos (1-6), ocorre apenas uma focalização maior em uma parte dos sentidos contidos na palavra escola. Há, portanto, apenas uma sutil variação semântica, sendo mantido o mesmo sentido geral em ambos os contextos. Tanto nos casos (7) e (8), quanto de (1-6), é percebida uma clara diferença de sentido e é mantida alguma relação intuitiva entre os sentidos. No entanto, a relação entre os sentidos (7) e (8) é mais próxima do que de (1-6). Não é necessária uma seleção entre os sentidos (7) e (8), mas sim uma seleção entre especificidades dentro de um mesmo sentido. Dessa forma, a palavra escola em (7) e (8), é considerada uma palavra sistematicamente polissêmica – de acordo com Cruse (2000) – ou logicamente polissêmica – de acordo com Pustejovsky (1995). O autor diz que este é um tipo de ambigüidade que envolve sentidos lexicais que são manifestações de um mesmo significado básico da palavra, visto que ela ocorre em diferentes contextos. Em linhas gerais, pode-se dizer este é o caso de palavras que apresentam um baixo grau de ambigüidade. Propriedade também encontrada na palavra universidade, que pode apresentar quatro sutis variações de sentido. Considere os exemplos abaixo:de ser percebida em (25) sentido literal e (26) sentido figurativo. (24) Ele tem uma voz alta. (25) Ele é a voz do povo. Há também alguma sistematicidade em casos de autohiponímia no que se refere a diferenças de masculino e feminino, conforme nos mostra Cruse (2000). A autohiponímia ocorre quando uma palavra está subordinada a um sentido mais geral e a um sentido contextualmente restrito, que é mais específico. Caracteriza-se por apresentar uma relação de É UM entre um termo mais específico – subordinado – e um termo mais geral – superordenado – sob o ponto de vista do subordinado. Como exemplo temos a relação entre o termo cachorro, que apresenta dois sentidos, um sentido geral e um sentido mais específico, conforme vemos nos exemplos (26) e (27). (26) Os donos dos cachorros e gatos devem registrar seus animais de estimação. (Membro da raça canina) (27) Aquilo não é um cachorro, mas sim uma cadela. (o macho da raça canina) Cruse (2000) explica que casos nos quais uma categoria (como cachorro) apresenta uma subdivisão binária (como masculino e feminino), e somente uma das subcategorias apresenta um nome específico (como cadela expressando o feminino) para designá-la, então o termo superordenado (como cachorro) irá desenvolver uma leitura mais específica para preencher os espaços (novamente o emprego do termo cachorro). Aplicando as considerações do autor aos exemplos dados: em (26) é evocado um sentido mais geral do que em (27). Então, no caso de cachorro, subcategoria de animal masculino e feminino, somente o feminino tem um nome distinto – cadela, logo o termo superordenado se particulariza para preencher a lacuna. Percebe-se então que há uma classe de termos que abrangem cachorro, homem, pessoa, entre outros, que apresentam o mesmo tipo de variação em masculino ou feminino, o que os caracteriza como palavras sistematicamente polissêmicas. Isto considerando as idéias apresentadas por Cruse (2000), explicação que parece convincente nestes casos. Entretanto, se olharmos para estes termos sob a visão de Kempson (1977), eles serão classificados como vagos, conforme veremos mais adiante em 1.2.1.3. Cruse (2000) diz que a relação oposta à da autoholonímia é a autosuperordenação (ou autohiperonímia, como poderia ser chamada). Um exemplo de autosuperordenação é o uso da palavra homem para referir-se à raça humana, ou a qualquer outro uso do termo masculino para generalizar uma espécie – sentidos estes que são contextualmente restritos. Outro exemplo, agora envolvendo a generalização do termo feminino, é o uso da palavra vaca para referir-se aos bovinos de ambos os sexos. Mais um caso de polissemia apresentado por Cruse (2000) é a automeronímia, fenômeno que ocorre em um caminho paralelo ao da autohiponímia, a não ser pelo fato de que a leitura mais específica representa uma subparte e não um subtipo. Nem sempre é fácil definirmos se estamos falando de automeronímia ou de autohiponímia. No entanto, serão apresentados aqui apenas casos típicos de automeronímia, como em (28) e (29) (28) Passe por aquela porta. (29) Tire as dobradiças da porta. Em (28), porta está sendo utilizada em seu sentido representativo de abertura. Ao passo que em (29), o sentido evocado é o de objeto físico, ou seja, sentido estrutural. Seguindo as considerações de Cruse (2000), em (28) há um caso de automeronímia, pois a parte é tomada pelo todo. Já Pustejovsky (1995), considera este um caso de polissemia lógica – como vimos nos exemplos (15 a-b) Diferenciar automeronímia de autoholonímia nem sempre é tarefa fácil. Considere o exemplo: (30) Jane ama mostrar seu corpo. Em (30), a intenção do locutor certamente é a de representar o corpo todo, não somente o tronco. O todo é evocado sendo um caso de autoholonímia. Mas considere a seguinte frase: (31) Ela recebeu algumas graves pancadas no seu corpo. Neste caso (31), somente está sendo sugerindo que ela recebeu pancadas em seu tronco. A parte é focalizada. Sendo um caso de automeronímia. Observem-se agora exemplos onde o que está em questão é a inclusão ou não da mão no sentido de braço, exemplos apresentados por Cruse (2000). (32) Um arranhão no braço. Em (32), o sentido desejado é definitivamente o braço sem incluir a mão. Caso de automeronímia, pois a parte é o foco. Mas observem-se os exemplos abaixo: (33) Ele perdeu um braço no acidente. ou (34) Ela estava abanando seus braços. Em ambos os exemplos, (33) e (34), o locutor refere-se ao braço todo, incluindo a mão. Deve-se considerar como casos de autoholonímia os casos (33) e (34) pelo fato de incluírem a mão (parte) no sentido de braço (todo). Dessa forma conclui-se que se a parte for incluída no todo chamamos o fenômeno de autoholonímia. Vimos até aqui vários casos polissêmicos que ocorrem entre os nomes. Porém, a polissemia também se manifesta e de maneira ainda mais produtiva entre os verbos. Como exemplo de verbos polissêmicos temos tornar nas frases abaixo . (35) Uma grande parte do centro da cidade foi submetida a esta espécie de operação plástica, numa tentativa ousada de o tornar atraente aos olhos dos turistas e dos homens de negócios que visitam a cidade. (= transformar) (36) Nunca fiquei com vontade de me tornar católico, embora em algumas ocasiões, Maureen costumasse jogar uma indireta ou confessar seu desejo. (= vir a ser) Analisando as frases (35) e (36) percebe-se que ambas apresentam o sentido de transformação; porém, em (35) o verbo tornar é empregado no sentido de transformação física, de modificação de um mesmo ser em algo diferente – no caso mais atraente. Já em (36), vê-se o mesmo verbo, porém referindo-se a uma transformação espiritual, de crença. Fica claro que (37) e (38) encontram-se dentro de um mesmo campo semântico. (37) Carol escutara, recordava-se Judy, escutara sempre, mas depois limitara-se a dizer, na sua voz calma, lenta, que não perdera a entoação californiana, que Judy devia tornar a acender a vela e avançar para a escuridão. (= voltar a fazer algo) No sentido (37), tornar apresenta-se uma variação semântica um pouco maior, porém ainda é possível perceber relação entre eles. Tomando como base as análises acima, tornar podes ser considerado um verbo polissêmico. Além dos casos polissêmicos sem mudança categorial , como os nomes e verbos apresentados acima, a polissemia também pode se manifestar entre categorias gramaticais diferentes. Nesse caso, um mesmo termo pode apresentar ao mesmo tempo um significado como verbo e outro como nome. Esse é o caso de palavras como caminho, canto, andar, etc. Observem-se os exemplos abaixo: (38) Eu caminho todos os dias à tardinha. (= verbo) (39) Será um longo caminho até chegar em casa . (= substantivo) Percebemos nas frases acima que caminho pode significar tanto uma passagem (38) quanto a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo caminhar (39), como vemos nas frases acima. A variação categorial também pode ocorrer entre adjetivo e verbo, como é o caso da palavra são nas frases abaixo. (40) Quem mora em São Paulo chegará a Congonhas de carro. (= adjetivo)
(41) Não se preocupe, pois já estou são. (= adjetivo) (42) Os homens são muitas vezes menos racionais do que os próprios animais. (= verbo) Para concluir a caracterização da polissemia, é importante que se fale nos critérios do conteúdo lexical e da obrigatoriedade de determinação no contexto . Moura (2000) diz que esses critérios permitem caracterizar a polissemia de uma maneira mais efetiva do que as definições tradicionais baseadas apenas na análise diacrônica do significado. Uma condição importante para a identificação da polissemia é identificar a ambigüidade tem origem no léxico, ou seja, se o conteúdo existente no léxico é determinante para a atribuição de sentido à frase. Outra característica importante para a caracterização da polissemia é a propriedade de não obrigatoriedade de determinação no contexto – conforme Moura (2000), visto que os sentidos polissêmicos não são contrastantes e que muitas vezes eles se sobrepõem, conforme observou-se nos casos das palavras sistematicamente polissêmicas.