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Osman Lins - Wikipédia

Osman Lins

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Encontros com Osman Lins

  Um modelo de leitor ideal. Como enfrentar as possibilidades das palavras. A literatura como tentativa de encontrar um rumo para a existência. Uma sondagem no mistério do homem. Visão do mundo, visão de romance: uma possível definição. O tempo do Dom Quixote. A situação do autor teatral brasileiro. Método de trabalho do romancista. Missão do escritor e engajamento político. Função da crítica. Papel do editor. Posição do autor diante da obra ainda a ser feita e da obra já realizada. A necessidade de planejamento do trabalho. A significação de Avalovara.
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  Osman Lins nasceu a 5 de julho de 1924, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Autor de contos, romances, narrativas, livro de viagens e peças de teatro, e distinguido com vários prêmios estaduais (Pernambuco e São Paulo), é um dos poucos escritores brasileiros que não se contentam apenas em realizar uma obra, mas procuram, de uma maneira ou de outra, intervir no processo cultural do país.
  Em conferências a universitários, artigos de jornal, palestras com editores e no livro Guerra sem testemunhas, Osman Lins levanta problemas fundamentais da profissão de escritor e os equaciona com inteligência, devolvendo ao ofício a que se dedica a dignidade jamais negada, mas tantas vezes por tantos conspurcada.

Nesta entrevista, publicada originalmente no suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo, em 24/5/1969, ele expõe as linhas principais do seu pensamento e das suas posições, no campo da arte e da literatura.

  – Para quem escreve?
  – Antes de tudo, para mim – conquanto, de modo algum, só para mim. Em segundo lugar, para o leitor. Não tal ou qual pessoa conhecida, nem tal ou qual leitor médio descoberto pelo IBOPE. Para um leitor que imagino, a quem respeito, e que se modifica segundo minha própria evolução. É ele, também, um personagem de minha invenção, talvez o mais importante de todos, pois orienta em grande parte minha obra, realizada com vistas ao seu possível olhar. O leitor ideal será então aquele que, dentro do possível, se aproxime desse modelo. 
  Deve ser alguém que aprendeu a falar ouvindo a mesma língua em que escrevo e que tenha interesse nas coisas do mundo: deve conhecer outros livros e ser familiarizado com as fórmulas consagradas, mas não considerá-las imutáveis; ser bastante compreensivo para o insólito e, por isto, cauteloso nos julgamentos, assim como reverente ante os riscos dos que lhe entregam, embora com a possibilidade de parecerem soberbos ou herméticos, o melhor de si mesmos; ter o discernimento suficiente para entender que as escritos amenos, em geral, exprimem uma atitude de adulação, e não de respeito; deverá saber ainda que o livro, para seu autor, é algo valioso, essencial, e não um divertimento, um passatempo com que algumas horas de ócio foram preenchidas.
  Para os que haverão de detestar meus escritos por uma ou outra razão, também para estes devo confessar que escrevo. Para que saibam que não são o mundo e que nem tudo é feito à imagem e semelhança deles, ou à imagem e semelhança do que estabelecem.

Escrevo ainda para os que nunca haverão de ler-me, mas poderão, mesmo assim, ser alcançados pelos meus trabalhos, pois o alcance de um livro nem sempre se esgota no ato da leitura, podendo muito bem expandir-se através da conversa e de outros meios. Por isto é que não deve um escritor zombar dos críticos quando estes assinalam, no seu livro, influência de um autor que ainda não leu. Essa influência não tem forçosamente que processar-se através da leitura.

  – Por que escreve ficção?
  – É conveniente lembrar que, sendo a vida do homem – falo do homem vigilante – uma série de retificações e reformulações, também a visão que o escritor tem de seu próprio trabalho não é a mesma desde o tempo em que a literatura começa a atraí-lo, até a fase em que, superadas as hesitações iniciais, dedica-se, em caráter definitivo, ao exercício das letras. A razão por que hoje escrevo e tenciono escrever contos e romances não é a mesma que justificava, perante mim próprio, nos primeiros anos da minha juventude, lançar-me a experiências dessa ordem. Aos vinte anos, a aproximação com a literatura, por parte do homem solitário que eu era, sem formação universitária e, até certo ponto, inculto, não poderia ser feita, por exemplo através do ensaio. Isto exigiria um preparo bem maior.   Enfrentar as possibilidades da palavra, àquela época, era uma experiência como outra qualquer. Uma tentativa, como qualquer outra, de encontrar um rumo para a minha existência. A ficção, por assim dizer, era para mim a única via de acesso possível à literatura, o único modo através do qual aquela tentativa me parecia viável. O que tenho certa dificuldade em explicar é porque não tentei de modo sistemático, a poesia. Talvez por não conhecer, àquela época, modelos respeitáveis ou que, ao menos, me houvessem empolgado.
  Mas a resposta ainda não é satisfatória. Deveria dizer, também, por que escrevo hoje. Escrever, para mim, é um meio, o único de que disponho, de abrir uma clareira nas trevas que me cercam. Neste sentido é que eu disse, ainda há pouco, escrever antes de tudo para mim. Sem experiência, decerto, não há conhecimento. Contudo, pelo menos no meu caso, mesmo o conhecimento obtido pela experiência é desordenado e informe. Só o ato de escrever me permite sua ordenação; portanto, escrever se me apresenta como a experiência máxima, a experiência das experiências. Minha salvação, meu esquadro, meu equilíbrio.
  E como poderia eu, frente ao mundo, sondá-lo através do pensamento filosófico, se é ante o sensível que meu espírito reage com mais força – e se o que há de apenas sugerido na poesia não cumpre ou não abrange o que exijo do ato de escrever? Nisto, é claro, não vai nenhuma atitude depreciativa. É possível que o exercício da poesia torne o mundo menos enigmático para alguns poetas; no que me diz respeito, não poderia exercer tal função.

Então: escrevo para captar o vivido e o por viver; e escrevo ficção porque este é o caminho ao mesmo tempo acessível às minhas faculdades e adequado às minhas ambições de sondagem no mistério que me envolve.

  Acrescento (e isto é apenas uma hipótese, uma sugestão) que este caminho, se tem hoje para mim aquele caráter, talvez seja porque o exercício empreendido na época em que eu ainda acreditava obedecer a uma vocação, e desde então continuamente praticado, desenvolveu aquelas faculdades e aquela adequação. De qualquer modo, a ficção não mais se me apresenta como uma espécie de solução de emergência. Incursionei, aliás, pelo teatro e agora entrego ao público um ensaio (Guerra sem Testemunhas).
  – Como definiria o romance?
  – A pergunta poderia levar-nos à controvertida questão dos gêneros. “Que é o romance? A novela? Como se distinguem do conto?”  Concedamos-lhe, portanto, maior amplitude. Que devemos entender por ficção? É a fixação, através da palavra escrita, e com ênfase na aparência das coisas, pelo autor decompostas e reorganizadas, de uma visão pessoal do mundo, não raro absurda e quase sempre insólita, que no entanto se confunde, sob a pressão do gênio do escritor, com o universo onde todos habitamos. Essa visão pessoal do mundo, o ficcionista não tem necessariamente que explicá-la. O que explica tal visão é sua própria obra.
  – No conturbado mundo atual, tem sentido escrever romances, contos e peças teatrais?
  – Não vejo por que seria negativa a resposta. Em que é, este nosso mundo, mais conturbado que os anteriores, a não ser no poderio de suas armas? Ele não é mais intranqüilo e injusto que o mundo, vamos dizer, em que surgiu o D. Quixote. Relacionemos, embora desordenadamente, alguns fatos históricos com a vida de Cervantes. Nasceu um ano após a morte de Lutero. Portanto, encontrou o mundo convu1sionado pela Reforma e pela Contra-Reforma. Tinha dezessete anos quando se assinou em Augsburgo a Paz da Religião, segundo a qual os príncipes tinham o direito de determinar o credo religioso dos vassalos, que devia ser o mesmo dos príncipes. Andava pelos quarenta anos quando Maria Stuart foi degolada. A pirataria inglesa infestava os mares conhecidos, pilhando os galeões espanhóis. Enquanto isso, Drake fazia o mesmo no Chile e no Peru. A importação de negros para serem escravos era coisa banal. No Brasil, em 1585, havia cerca de 14 mil africanos. Não era um mundo desejável. A grande diferença é que, hoje, maior número de pessoas tem consciência das injustiças que as vitimam e afligem outros semelhantes seus. O mundo de hoje é mais consciente, mais sábio em face do erro. E isto, de um modo ou de outro, vem provocando mudanças sérias. Vejamos, por exemplo, alguns números sobre o colonialismo. Em 1919, para uma superfície total de 135.800 mil km², havia 104.500 mil km² de colônias, semicolônias e domínios. Hoje, a superfície ocupada por países nessas condições não chega a cinco milhões de km². A porcentagem global passou de 69,2% para 4,5%. Não é, apesar de tudo, um avanço? Estamos, certamente, em crise. Ou melhor: estão em crise os valores que regeram a formação de grande número dos nossos contemporâneos. Isso só deve assustar, aliás, os espíritos conservadores, que se vêem ameaçados nas bases de suas vidas. A mim, o que pareceria mau seria exatamente um mundo estável, assentado, firme, definitivo, em paz com suas iniqüidades. Sinto-me parte deste nosso mundo em transição e não recuso o tributo que ele exige de mim. Não sonho ter vivido em outros tempos. Este é o mundo que eu tenho e a época que me foi dada. Cumpre-me enfrentá-los, não os utilizando como pretexto para defecção de espécie alguma.
  – O fato de se dedicar aos três gêneros – e ainda ao jornalismo – não implicaria numa indecisão sobre as rumos a seguir?
  – Não vejo por quê. Todos nós, em determinados momentos, temos as nossas indecisões e o escritor não escapa à regra. Mas não creio que pareça indeciso quem, há cerca de vinte anos, quase nada publicando na primeira metade desse tempo, concentra sua vida, sem interrupção, no cumprimento de uma obra literária que, no mínimo, será coerente.

Acha mesmo que há grande diferença entre escrever romance, conto e peça de teatro? A incoerência, ou a indecisão (ou ainda a esquizofrenia, a que se refere Henry Miller em suas cartas a Lawrence Durrell, ou seja, a divisão da personalidade, expressa através da realização simultânea de obras substancialmente antagônicas), residiria no fato de, por exemplo, havendo escrito os livros que escrevi, eu aderir, mesmo sob pseudônimo, ao rendoso mundo da telenovela – trabalho para o qual, mais de uma vez, fui sondado. Vou mais longe: aceitando-o, eu não seria apenas incoerente ou indeciso. Estaria negando a minha condição e sendo infiel ao destino que assumi.

  Quanto aos artigos para jornal, embora não façam parte propriamente do que eu poderia chamar a minha obra, obedecem à linha de comportamento que me tracei enquanto escritor. Quero, acho necessário opinar, sempre que possível, predominantemente na área cultural, deixando bem claro o meu pensamento e definindo a minha posição. Esta, por sinal, coerente, creio eu, com o que tenho sido e escrito.
  – Preocupa-o, segundo se depreende de muitos desses artigos, a situação do autor teatral brasileiro. Quais são, nesse campo, os principais problemas?
  – O problema básico é que ainda não se aprendeu a ver, no Brasil, a importância do autor no fenômeno teatral. O teatro não é olhado como expressão do espírito nacional. Pretere-se, em tudo, invariavelmente, o autor; e já houve até espetáculos em que, além do texto, importamos os cenários, a música, a coreografia e os figurinos. Mas eu gostaria que alguém me dissesse o que significa, para um país, um teatro inteiramente importado. Ou que expressão pode ter um teatro sem autores, um teatro onde a voz de sua gente não é escutada.
  Como se isso não bastasse, temos no momento outro grande problema, a intensificação da censura. Esta alcança também o texto estrangeiro. Mas a verdade é que este se cumpre em seu país e na língua original. Enquanto o nosso, em muitos casos, perece antes de qualquer contato com o público. Mais: pode ser afetado e murchar em sua própria fonte, no espírito do dramaturgo. Quando a censura chega a violentar a produção escrita, algo terrível sucede. É através da arte – e de nenhum outro meio – que um povo se renova. Se este foco natural de renovação é sufocado, instala-se um elemento de imutabilidade. Ou seja: de morte. O próprio Trotski não achava que o domínio da arte devesse ser posto sob o domínio do partido. Escreveu: “A arte deve encontrar sua própria vida e seus próprios meios”.
  Não se julgue, por outro lado, que a suspensão da censura signifique, para o autor teatral, acesso ao público. Resta a “censura” dos empresários, hostis, com exceções muito raras, ao texto nativo. Em geral, quando empresários, diretores e atores famosos se manifestam contra a censura, o que estão é aliviando a própria consciência pesada. Pois nunca fazem nada para incentivar a dramaturgia nacional. Nunca dão um passo no sentido de criar condições favoráveis para o indispensável diálogo do autor brasileiro com o povo do qual nascem seus textos e ao qual são estes dirigidos.
  – Qual é, normalmente, o seu método de trabalho? (Horário em que escreve, a máquina ou a mão, número certo de páginas por dia, tempo dedicado à leitura, leitura planejada, planejamento de obra, etc.).
  – Trabalho sempre pela manhã, de segunda a sábado. Infelizmente, nem sempre isso é possível. Quando me sucede interromper esse ritmo, procuro compensar no domingo o tempo perdido nos outros dias. Acontece, às vezes, como no soneto de Camões, que uma série de problemas se conjura em minha perdição, escoando-se semanas inteiras sem que se acrescente uma só frase ao trabalho interrompido. Sinto, em geral, dificuldade em fazê-lo avançar, quando o retomo.

Quando aprendi a escrever a máquina, tinha onze ou doze anos. De modo que esse processo mecânico me é familiar. Pratico-o sem esforço. Nem sempre, porém, tive máquina. Comprei a que possuo há uns dezessete ou dezenove anos. Nela escrevi todos os meus trabalhos literários. Parece-me um tanto infantil ter apego a coisas, a lugares e mesmo a bichos. Mas confesso que sinto gratidão e respeito por esse mecanismo firme e bem ajustado, que há quase vinte anos me presta sua ajuda. Li, em Mauro Mota, que Delmiro Gouveia, certa vez, gritou para os seus burros e seus bois : “Estão todos aposentados. São também meus operários e meus irmãos!” Acho que, quando minha máquina de escrever não mais me servir, faço feito Delmiro Gouveia. Não a passarei adiante. Aposento-a. As correções são feitas a mão. Nem sempre, no entanto. A máquina me permite escrever a mesma frase cinco, dez, vinte vezes, até obter a exata correspondência entre a expressão e o sentido. Ou melhor: até que uma tensão entre as palavras e o que significam se estabeleça. Não tenho número certo de páginas por dia. Há manhãs que me deixam feliz por oferecerem um saldo de dez ou quinze linhas. Minha produção normal é de uma página, raramente chegando a duas e quase nunca a três. O escritor não deve preocupar-se com a quantidade do que produziu. Há ocasiões em que, apesar de haver escrito duas ou três páginas, fico deprimido: elas não representaram nada para mim, nada descobri, nada devassei através delas. Isto não quer dizer que os períodos de maior produtividade não me tragam alegrias; mas só quando essa produtividade não representa apenas um avanço do trabalho em curso, mas um avanço do meu próprio espírito em sua luta pela ordenação do desordenado e pelo esclarecimento de coisas até então apenas intuídas.

  Leio à noite, alternando, dentro do possível, ensaio e ficção. Menos regularmente, teatro e poesia. Excepcionalmente, durante o tempo em que trabalhei em Guerra sem Testemunhas (dezembro de 1965 a maio de 1968), quase só li obras relacionadas com os assuntos a abordar. Com freqüência, assisto a concertos e espetáculos de dança. Onde, por sinal, jamais encontro escritores. Planejo, com rigor sempre crescente, meus livros. E não apenas cada livro, mas a seqüência de uma obra que, olhada em conjunto, espero venha a ser harmônica.
  – Poderia falar um pouco dos seus planos? Em que sentido Guerra sem Testemunhas se inscreve no conjunto de sua obra?
  – O livro a que se refere ocupa-se de problemas gerais do escritor, alguns dos quais ventilados nesta entrevista. É uma revisão sistemática do meu ofício e de suas decorrências. Este era o momento de fazê-la. Eu havia atingido certo grau de experiência e amadurecimento, de modo que não faltava matéria sobre que refletir. Partindo de uma análise sobre as relações do escritor com a página ainda em branco, o ensaio amplia a cada capítulo sua área, passando pelo livro, o editor, o leitor, etc., até chegar a uma meditação sobre a presença do escritor no mundo atual. De tudo isso quero tirar proveito, pois me resta bastante trabalho a fazer, mas meu objetivo não é só este. Quero também que o livro seja útil aos que se interessam realmente pela literatura, e principalmente para os que nela se iniciam. Para os que desejam vir a ser escritores. Ele pode oferecer, segundo acredito, uma ajuda que não tive e que me fez muita falta.
  Acabo de escrever também três peças em um ato : Mistério das figuras de barro, Auto do Salão do Automóvel e Romance dos  dois soldados de Herodes. As três constituem um espetáculo completo, sendo a primeira interpretada (eu preferiria dizer executada) por uma atriz; a segunda, por um ator; a terceira, por uma atriz e um ator.
  — O escritor tem uma missão social a cumprir?
  — Sim.
  – Em que exatamente consiste e até que ponto deve (ou pode) essa missão ser confundida com o engajamento político?
  – Ela não deve, sob nenhum pretexto, ser imposta pelo Estado nem pelos partidos. Isto, não em nome de uma vaga liberdade do artista, e sim porque nenhuma instituição está em condições de impor, à conduta do escritor, leis e normas concebidas para outros tipos de atividades. Repito, com André Gide, que “uma literatura submetida é uma literatura envilecida”. O escritor não chega a certa orientação estética, a certas invenções, a certos experimentos, a determinadas descobertas, por acaso. Ele caminha duramente para tudo isto. Os livros de Kafka, resultado de toda sua existência, têm-nos ajudado enormemente a ter, do homem contemporâneo e de seus dilemas, uma visão que não seria tão clara se ele não tivesse existido. Ou se lhe houvessem imposto, ao invés de escrever O Castelo, redigir algum romance trivial sobre patrões e operários. Não quero dizer que seja impossível a um romancista realizar um grande livro sobre tal assunto. Mas ele só o fará se chegar a isto. E seu trabalho, em nenhuma hipótese, deverá transpor para o papel a visão que os políticos têm do problema. Terá de ser, a sua, outra visão, a visão de um romancista, de um criador de ficção. Em todo caso, uma visão nova, pessoal, sem o que seria dispensável.
  Insisto em dizer que, quando penso nos direitos do artista, não penso em privilégios. E sim em termos de sabedoria. Não é sábio, não é inteligente querer impor ao escritor uma visão estereotipada das coisas. Pois um de seus méritos, e não o menor, é precisamente o de reagir contra a maneira habitual de ver. Contra os hábitos de visão e de julgamento. Contra a esclerose nas relações do homem com o que o cerca.
  Gostaria de acrescentar ainda alguma coisa, para deixar bem claro o espírito de minha resposta. A condição de escritor está ligada à condição de homem. Não se pode dissociar uma da outra. Acha que é ainda possível, em nosso tempo, a um homem de instrução mediana, ignorar o conflito básico com que nos defrontamos, a reação dos dominados contra os dominadores? São estes últimos que detêm a força e os privilégios. Nunca se viu, por exemplo, a polícia nas ruas, de arma em punho, a fim de impedir um conclave de companhias de investimento. Assim, não apenas  o escritor, mas qualquer homem que desdenha esses problemas, ou os problemas que com estes se relacionam, e opta por um tipo de  comportamento alheio a tais conflitos, é, simplesmente  um trânsfuga. Se escritor, maior é sua culpa. Pois, mesmo admitindo que  um indivíduo preocupado apenas com a subsistência, sem o hábito de refletir, não chegue a conclusões lúcidas, ou ao menos aproximadas sobre a sua condição e a de seus companheiros, não se pode perdoar que o mesmo suceda a um escritor. Este, em conseqüência de seu próprio ofício, tem obrigação de saber de que lado há de colocar, hoje, o seu espírito. Se ignora (já escrevi isto e volto a repetir) pode fazer jus a todos os títulos e a inúmeras honras; mas não merece o nome de homem.
  – Que diz da crítica?
  – Ao mesmo tempo que pode conduzir o leitor ao livro estudado, a crítica constitui também um daqueles meios através do qual uma obra literária pode atingir alguém que não a leu e que nunca a lerá.

Gostaria que a crítica, deixando um pouco de lado a autor, se preocupasse mais com o leitor, preparando-o para a obra a ser lida. Seria também interessante que o crítico, sempre que possível, não tentasse parecer inteligente demais. Nada mais apropriado para afugentar o leitor, principalmente o leitor de ficção, que uma crítica demasiado erudita.

  Não considero o crítico meu professor ou meu juiz, não espero que dê nota a meus livros, como se faz com um dever escolar. A melhor crítica, para mim, é a que revela, no crítico, a presença daquele leitor que há pouco descrevi em linhas gerais.
  – O escritor se situa de maneira diversa perante a obra ainda a realizar e a obra já feita. Pode especificar essa diferença? Que importância tem para o escritor a sua obra?
  – A atitude do escritor, perante a obra a realizar, não é a mesma em todas as épocas da sua vida. Na juventude, essa obra é qualquer coisa de extremamente nebuloso. O futuro escritor, crendo obedecer a um chamado irresistível, lança-se um tanto às cegas na sua aventura. Só com o tempo é que essa atividade vai definindo-se para ele. Então a obra a realizar já não é um empreendimento instintivo, mas um plano. Calculado, lúcido.
  Também a obra feita não tem o mesmo significado, ante o escritor ainda imaturo e ante o escritor que já conseguiu definir-se em face de si próprio. No primeiro caso, a obra representa, principalmente, a certeza de que foi possível realizá-la; a alegria de saber que não ficamos no meio do caminho. No segundo caso, a obra, muito mais orientada, tem um destino certo. Já não somos, a essa altura, como o indivíduo que, bem ou mal, tenta construir uma povoação; e sim como alguém que levantasse, aos poucos, toda uma cidade, com suas relações, suas pontes, seu ritmo. Então, uma nova obra é como um novo bairro, um quarteirão que surge em obediência ao nosso plano.

Tanto num caso como no outro, nunca é demais acentuar que concentramos, em cada novo livro – bom ou mau – toda a nossa vida. Daí a diferença enorme que existe entre o escritor que lança um novo livro e o editor que o publica. Enquanto o escritor tem meia dúzia de oportunidades, o editor tem quatrocentas, seiscentas ou seis mil. Quantas obras publicou, por exemplo, até hoje, o editor José Olympio? E quantas escreveu o seu irmão, o romancista Antonio Olavo Pereira? É bom, portanto, ter sempre em mira que o lançamento de um novo livro representa muito mais para o escritor do que para o editor. Não é a vida inteira do editor que está convergindo para esse momento, para esse acontecimento. O livro publicado que amarelece nos depósitos representa, ao mesmo tempo, dois valores bem diversos: para o editor, alguns milhares de cruzeiros perdidos e recuperados adiante por outro livro qualquer; para o autor, muitos anos, nunca recuperáveis, e quase sempre os mais valiosos, de sua vida.

  Não podemos, por tudo isto, esperar que um editor dedique à nossa obra a mesmo interesse que nós. Por outro lado, estaremos sendo infiéis ao nosso próprio esforço se negligenciamos a obra publicada, se deixamos que faça, sem nenhuma ajuda, seu caminho. Assim me comportei em meus primeiros anos de escritor, à falta de melhor refletir sobre o fenômeno. Acho, hoje, que não devemos perder nenhuma oportunidade de debater nossa obra, de lutar por ela. E que, em nenhum caso, devemos ter pejo de confessar o quanto ela significa para nós. Que apreço dar-lhe-ão se formos o primeiro a negligenciá-la? Confessemos, pois, aos brados: NOSSO LIVRO É NOSSA VIDA, NOSSO SANGUE E OSSOS. Nele concentramos tudo o que somos e seu destino nos é tão importante quanto o nosso próprio destino. E talvez até mais.
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  O romance Avalovara, de Osman Lins, escrito de 22/9/1969 a           10 /12/1972, foi publicado em fins de 1973, pela Editora Melhoramentos. Em menos de quatro meses esgotou-se a sua primeira edição e foram assinados contratos de tradução para a França, Alemanha, Itália e Espanha.

Debatendo problemas suscitadas pela leitura de Avalovara, Osman Lins me concedeu a entrevista abaixo, publicada originalmente no jornal O Estado de São Paulo, em 12/5/74.

   – Atrás de toda obra romanesca há  um homem, o engajamento pessoal  de um homem. Até que ponto Avalovara significa, para o seu autor, uma tentativa de resposta a questões postas pela vida? De que natureza seriam essas questões?
   – Aqui e ali, realmente, busquei certas respostas. Não foi isso, porém, que regeu o romance. Quando escrevi Guerra sem Testemunhas, minha atitude mental e meus objetivos eram outros. Tratava-se de um ensaio e eu procurava enfrentar uma série de questões, algumas de ordem prática e todas relacionadas com o nosso ofício de escritor. Moveram-me a escrever Avalovara, que é um romance, razões bem diferentes. Eu ambicionava realizar um texto que, sem limitar-se apenas a isto, expressasse a minha paixão pela escrita e pelas narrativas. Um livro que fosse, no primeiro plano, se assim posso dizer, uma alegoria da arte do romance. Há muito tempo preparava-me. O projeto básico da obra, seu arcabouço, estão ligados à arte de narrar e aludem constantemente à ambigüidade da palavra. Lendo-o com atenção, vê-se que tudo isto o atravessa gerando uma infinidade de motivos. 
  Outro afluente importante na gênese da obra era o amor humano. As sugestões simbólicas do corpo e o sentido cósmico da união carnal, como se sabe, enfeitiçam o homem desde os tempos mais remotos. Lê-se num velho texto hindu : “Não há perfeição sem o corpo, nem beatitude.” Ainda certos livros religiosos da Índia dizem que a representação do prazer amoroso é uma imagem da sílaba Om, a fórmula religiosa sagrada entre todas e que representa o Absoluto. O encontro dessas duas vertentes – de um lado a escrita e as narrativas, de outro o amor carnal e o corpo – naturalmente não surgiu por acaso. Eu lembraria aqui que uma das personagens, havendo nascido duas vezes (motivo gerado da idéia desse segundo nascimento que é a nomeação das coisas), é, ao mesmo tempo, carne e verbo: as palavras perpassam pelo seu corpo, visíveis e audíveis.

Não era, então, um livro onde eu buscasse resposta a questões colocadas pela vida. Não teve essa finalidade que eu poderia dizer “pragmática”. Aliás, acho difícil que um romance possa dar ao seu autor aquele tipo de resposta. O máximo que posso dizer de Avalovara é que ele expressa a minha inquietude diante da vida e das palavras.

   – Você já me disse que escrever seria uma tentativa de ver um pouco mais claro na escuridão que o cerca.
   – Ainda escreverei algo a respeito da pergunta que você então me fez e que era: “Por que escreve ficção?” Respondi-lhe daquela vez. Tratava-se, no entanto, como agora, de uma espécie de questionário. De modo que a resposta era e continua a ser incompleta. Quero deter-me um dia e escrever o que será uma resposta minuciosa a isto. Será, talvez, um artigo. Ou talvez um romance. Como saber, por enquanto? Naquela ocasião, dei-lhe a resposta a que se refere. Quero recordar aqui que essa resposta não era tão simples como diz. Eu me referia ainda a outros motivos., alguns bem singelos. Por exemplo: admitira a hipótese de que o exercício praticado na época em que eu imaginava “seguir uma vocação”, coisa que hoje me parece ingênua, houvesse desenvolvido em mim certas faculdades, certas aptidões que, ao mesmo tempo, põem o homem em uma posição singular diante do universo e exaltam, num ato que tem muito de desesperado, a função fabuladora. Uma coisa deve-se não esquecer: é muito arriscado atribuir o ato de escrever, de escrever ficção, a uma razão única.
   – Avalovara, então, não seria uma autobiografia, constituindo uma auto-análise por meio da literatura? Nem a resultado da utilização romanesca de episódios inteiramente reconstruídos da vida do autor?
  – Autobiografia? Não. Auto-análise? Também não. Claro, há lá dentro elementos autobiográficos. A nossa experiência funde -se em tudo que escrevemos. Mas, embora nesse romance, reconhecível, um ou outro fragmento da minha própria vida (aliás, uma vida sem grandes peripécias, já que eu procuro defender-me ao máximo para poder escrever), as discordâncias são inumeráveis. Até aos doze anos, não tive irmãos e irmãs. Minha mãe, a quem não conheci, era uma mulher virtuosa segundo tudo faz crer, e eu fui o seu único filho. A mãe de Abel é uma antiga rameira levada do diabo. Além disso, não creio que a minha mãe, como a do meu personagem, tivesse um gato-macaco engastado no corpo. Principalmente, não me aconteceu apaixonar-me por um hermafrodita, como Abel, nem encontrei mulheres como Anneliese Roos, em cuja carne flutuam cidades. Já a morte de uma das personagens inspira-se num acidente ocorrido com pessoa a quem amo. Eu acreditei, naquele momento, que essa pessoa houvesse morrido e atravessei o limiar humilhante no qual se aceita isto. É horrível. A seqüência dessa morte procura expressar aquele horror.
   – Farei agora uma pergunta longa. A vida de um escritor – segundo o mesmo personagem Abel – concentra-se em torno de um ato: buscar, sabendo ou não o quê. E suas relações com o mundo assemelham-se um pouco às de um desmemoriado, que se recusa a deter-se no que é visto e captado sem esforço, e pretere investigar aqueles planos ou camadas do real que só em raros instantes se manifestam. Isso está na pág. 64. Há no entanto, no romance, abundantes descrições de objetos e paisagens, constantes referências a eventos sócio-políticos e várias narrativas clássicas, com começo, meio e fim. Não haveria uma contradição flagrante entre o que afirma o personagem Abel e as reais intenções do autor de Avalovara?
  – Você não me nega a qualidade de jogador de xadrez. Essa sua questão é uma das mais capciosas que já vi. Mas não deixa de ser instigadora. Se acabei de dizer que “Avalovara” não é autobiografia, donde vem essa ligação estreita, essa ligação de causa e efeito, entre o personagem Abel e o romance no qual ele aparece? Abel não escreveu Avalovara: ele foi escrito em Avalovara. De modo que você não pode ter como certo que eu endosso todas as palavras dele. Embora seja Abel, sob certos aspectos, um daqueles personagens “merecedores de confiança” a que se refere Wayne C. Booth.
  Posso, entretanto, admitir que, “por coincidência”, o pensamento do personagem, aí, se aproxima do meu. Veja bem: aproxima-se. Porque num romance de certa densidade, mesmo quando o romancista procura introduzir reflexões suas, vê-se forçado a modulá-las, no sentido de obter uma afinação entre as suas reflexões e o mundo do romance. Não se deve julgar, por exemplo, que todas as exclamações dos personagens de Dostoievski, todo o seu clamor metafísico pudesse ser atribuído sem reserva a Dostoievski. Tudo aquilo, decerto, o inquietava. Mas não do mesmo modo e não na mesma intensidade. Só em casos muito raros coincidirão exatamente o pensamento do romancista e o de algum personagem seu. Assim devem ser entendidas as palavras de Abel: como uma reverberação de palavras que eu mesmo proferiria ou proferi.
  Mas vamos admitir que meu personagem e eu, na página que você assinala, nos identificamos perfeitamente. Que ele seja aí o meu porta-voz.    — 10: um projeto artístico nunca deve ser cumprido a ferro e fogo. Fazê-lo, é sempre limitador e estiolante. Há que, vez por outra, render-se a solicitações que contrariam o projeto. Eu gostaria, por exemplo, de não mover jamais os meus personagens. De apresentá-los sempre em quadros fixos e sucessivos, como numa fotonovela de grandes proporções. E, sempre que posso, faço isto. Mas não posso sempre. O máximo que consigo é fazer com que a organização das cenas tenda para isso, para essa imobilidade. – 20: não há incompatibilidade entre uma narrativa que começa, cresce e termina, e a investigação dos “planos ou camadas do real que só em raros instantes se manifestam”. Uma narrativa pode desenvolver-se com princípio, meio e fim, e expressar precisamente essa investigação. Exemplo: A Metamorfose, de Kafka. – 30: a descrição de um objeto ou de uma paisagem não significa que esse objeto ou essa paisagem sejam captados “sem esforço”. Em Avalovara, tais descrições, por vezes, exercem uma função compensadora, uma função de contrapeso. Há, no romance, um lado que se poderia chamar de fantástico. (Uma das descrições, por sinal, é de uma antiga cidade que vem voando pelos ares, através do espaço e do tempo, e pousa num canavial ao meio-dia em ponto.) Ora, o fantástico exige ser contrabalançado pela presença de elementos reais, no sentido ordinário. Sem isto, o texto correria o risco de debilitar-se. Essa é ainda a lição de Kafka e, modernamente, do alemão Günter Grass (O Tambor de Lata). Veja também o último livro de Hermilo Borba Filho. Muitos dos elementos naturalísticos de Avalovara estão lá para legitimar o que, de outro modo, seria inaceitável. Para soldar o incrível ao natural. Quanto às referências a eventos sócio-políticos representam uma intromissão deliberada do histórico no mítico. E aqui sou eu que cito o meu personagem, quando diz com a ênfase que lhe é própria: “Pode o espírito a tudo sobrepor-se? Posso manter-me limpo, não infeccionado, dentro das tripas do cão?”
   – Alguns autores do “nouveau roman”, Claude Ollier, por exemplo, revelam especial predileção por modelos aritméticos e  geométricos, na estruturação de suas obras. Avalovara toma um quadrado (espaço) e uma espiral (tempo), como modelas de estruturação. E se propõe como uma entidade autônoma, de dependências internas. Impõem-se então as seguintes questões:
  a) Seria válido ou não considerar Avalovara uma manifestação brasi1eira do “nouveau roman” francês?
  b) Estaria nessa possível semelhança a explicação do interesse dos editores estrangeiros por essa obra?
  – Infelizmente, não li Claude Ollier. Embora tenha lido sobre ele dois ensaios de Jean Ricardou, em Problèmes do Nouveau Roman, o que li não chegou a despertar meu interesse. Posso, entretanto, adiantar que a minha atração pelas estruturas de inspiração geométrica não se definiu a partir da leitura de outros romances, e sim a partir da leitura dos ensaios de Matila C. Ghyka: Esthétique des Proportions dans la Nature et dans les Arts e Le Nombre d’Or. Foi o romancista José Geraldo Vieira quem me deu a conhecer Matila C. Ghyka. Também Pitágoras e a alquimia não são estranhos à minha atração pelas figuras geométricas. Quanto aos números, têm fascinado aos homens desde sempre. Na Idade Média, como podemos ler em Curtius, eram freqüentes as obras regidas por uma estrutura numeral. A Divina Comédia, baseada na tríada e na década, é a culminância dessa tendência. E o meu livro, já o disse mais de uma vez, constitui, entre outras coisas, uma homenagem ao poema de Dante. É também construído com base na tríada e na década. Nogueira Moutinho, na crítica que publicou sobre o romance, pressente essa filiação. Além disso, se conhecemos mais ou menos bem os grandes romancistas, se conhecemos Sterne e mesmo alguns textos de Diderot (que era bom leitor de Sterne), se conhecemos Joyce, Virgínia Woolf, William Faulkner, não temos por que nos surpreender: a atual revolução do romance não começou com o “nouveau roman”. Não só isto. O “nouveau roman” é uma corrente intelectualizada e civilizada. Eu tenho algo de intelectual, mas sou um primitivo. No sentido de que os instintos, as coisas elementares, o incompreensível, contam para mim. Era mais ou menos o que sucedia com Faulkner, com Joyce. Suas obras, ao mesmo tempo, são muito inovadoras e muito arcaicas. Quem pode dizer o mesmo do “nouveau roman” e, mais ainda, do grupo de “Tel Quel”, para os quais o “nouveau roman” já está superado, por ser demasiado convencional?
  Meu romance, claro, não é indiferente à inquietação do nosso século no que se refere à criação artística. Mas não pretende ser a ilustração de quaisquer teorias. Nem mesmo, a rigor, das minhas. Ele expressa a minha aventura pessoal em face do mundo, da escrita e do ato de narrar.
  No que se refere ao interesse de editores estrangeiros, suponho que vem de outras razões. Creio, mesmo, que esse interesse decorre exatamente do fato de o livro parecer-lhes ter um certo caráter. De não ser idêntico aos inúmeros livros que lhes são habitualmente endereçados, vindos de todos os pontos do mundo.
  – A adoção de modelos de ficção estrangeiros  não constituiria, segundo o seu ponto de vista, uma solução para o problema de ampliação de mercado do autor brasileiro?
  – De modo algum, Esdras. Seria mesmo um absurdo que fôssemos concorrer, numa língua pouco conhecida como a nossa, no mercado editorial exterior, com obras semelhantes às que os editores europeus vêem todos os dias na sua própria língua ou em línguas que lhes são familiares. Isso, do ponto de vista de mercado, que, embora não sem importância, é secundário para a criação literária. Depois, que sentido tem, para o criador, “adotar modelos”? E se tivéssemos que adotar algum, do ponto de vista do mercado, seria melhor adotar logo os modelos do livro comercial americano e escrever, por exemplo, romances sobre médicos, sobre a máfia ou, simplesmente, histórias obscenas. Por último: o mercado exterior é importante. Mas é pela ampliação de um mercado AQUI que o autor brasileiro deve lutar. Acho que um escritor, antes de tudo, escreve para o seu próprio povo, seu auditório natural e legítimo.
  – “O Avalovara é ser composto, feito de pássaros miúdos como abelhas. Pássaros e nuvem de pássaros”. (Página 282). Aí está a estrutura do romance. E o autor pretende “jogar umas palavras contra outras, exercer sobre elas uma espécie de atrito, fustigando-as, até que elas despendam chispas: até que saltem, dentre as palavras, demônios inesperados”. (Página 211). Na definição da estrutura do livro, o autor evidencia uma preocupação altamente intelectualizada pelo aspecto de construção de sua obra. Na descrição do seu  processo de utilização das palavras, deixa uma porta aberta à magia, ao místico, ao fantástico. Trata-se de proposições a serem repensadas  ou de incoerência a ser mantida e aprofundada? 
   – Mais de uma vez você me atribui palavras do meu personagem. Vamos por partes. Quando diz Abel que o avalovara é um pássaro feito de pequenos pássaros, miúdos como abelhas, ele fala do pássaro avalovara, não do romance Avalovara. Mas, realmente, esse pássaro além de outras coisas, é uma imagem do romance. Não desse romance apenas. E sim do romance em geral. O romance aglutina narrativas menores, breves unidades temáticas, pássaros miúdos. Não é o meu romance que é assim. Qualquer romance é isso. E eu já lembrei há pouco que Avalovara é em certo sentido uma alegoria do romance. Há o outro pressuposto que você menciona: jogar umas palavras contra outras, etc. É Abel que fala. Este é o seu sonho. Será também o meu? Poderia dizer que sim, mas não no grau e na intensidade com que o problema se apresenta ao meu personagem. Ainda: eu não posso dizer que tivesse forças para realizar esse ideal de escrita formulado pelo personagem.
  Apesar de tudo, embora as preliminares da questão que você me propõe não estejam muito firmes, você absolutamente não se engana quando menciona uma contradição: de um lado, o domínio intelectual na elaboração da obra; de outro lado, a porta aberta à magia, etc. Sim, há isto. Há essa contradição, ou, para ser mais exato, esse conflito. Tomo a liberdade de fazer aqui, o que não me agrada, uma citação minha. Em “O Ponto do Círculo”, de Nove, Novena, uma personagem fala dos hieróglifos. Para ela, os egípcios haviam encontrado, na sua escrita, o equilíbrio entre a geometria e a desordem. Confrontavam-se, nos hieróglifos, uma criação intelectual e a natureza. Confrontavam-se e conjugavam-se. Certos escritos meus, Avalovara entre eles, são deliberadamente uma construção intelectual e como que uma invocação mágica. Isto, bem entendido, não para obedecer a uma teoria, a um programa. Mas porque eu próprio, como um homem, levarei sempre em mim esta contradição: a de debater-me entre a ânsia de compreender e a certeza de que tudo é mistério.
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